quinta-feira, outubro 04, 2007
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Somos um País pequeno, desarrumado e lento, prudente mas preguiçoso, cheio de medo de inventar novas maneiras de viver, aterrorizado com o risco de, perdido um qualquer norte, não encontrar depois a bússola que o encaminhe no sentido certo. Nesta minúscula aldeia em que todos são primos, sobrinhos ou cunhados de toda a gente, qualquer atitude é vista e julgada, e toma proporções de grande aventura. Mais vale então manter os usos antigos e, se a conversa em francês já não resulta, pela simples razão de que não existem criadas, e os nossos filhos aprendem na escola muito mais do que o nosso conhecimento nos permite alcançar, o que é certo é que continuamos desesperadamente agarrados a certas definições que à falta de melhor nos arrumam e arrumam os outros em categorias bem definidas que são um descanso para a alma e para o espírito.

Que entretanto o mundo tenha dado uma cambalhota, que a televisão traga para dentro das nossas casas imagens de outras maneiras de viver e que os riscos que os nossos filhos correm hoje em dia, nas suas primeiras experiências amorosas, estejam mais ligados à morte que à vida, tudo isso é inegável. Mas não suficiente para apagar em nós o terrível vício de jogar pelo seguro e, à falta de nos podermos proteger da droga, da sida e do desfazer dessa instituição milenar que é a família, continuamos a defender certas maneiras de estar ( e de representar) para construir um código que, não nos ajudando em nada, nos dá pelo menos o álibi de termos tentado. No fundo, pensamos, enquanto mantivermos as regras o jogo continua...

Um dia virá, talvez, em que iremos descobrir que andámos a perder tempo precioso, que o jogo acabou há muito tempo e que era urgente para a sociedade descobrir novas frases para salvar a humanidade. Um dia, talvez, saberemos que por detrás de casa máscara, dentro de cada trapo, escondida em cada palavra, existe um ser humano, com uma riqueza própria, uma verdade a dizer, uma outra maneira de construir um novo mundo. Talvez compreendamos então que o tempo que desperdiçámos a construir uma imagem que difícilmente nos encaixa, poderia ter sido usado na construção de um eu há tanto tempo esquecido. E passámos a vida a enganar a nossa verdade para impor a mentira dos outros. Poderá não ser demasiado tarde. Pode ser hoje, amanhã...agora. Pode ser neste momento. Podemos experimentar olhar para alguém e tentar ver o que não se vê mas está lá. Podemos falar e tentar dizer as palavras que queríamos dizer há tanto tempo e que nunca deixámos sair. Podemos explicar aos nossos filhos que, mais importante que as pequenas regras que sempre lhe ensinámos, existem as grandes leis que regem a vida e a morte e das quais , por falta de tempo ou de coragem nunca lhe falámos. Podemos começar por coisas simples, como o amor, a amizade, o sonho, a aventura e a descoberta. Podemos falar dessa coisa pequenina, tão frágil, tão esquecida que são eles próprios com todos os seus defeitos , as suas qualidades, os seus desejos e a sua vontade. Pode ser aqui. Ou em qualquer outro lado. Porque não começar, na companhia de uma gaivota, no pôr do sol turbulento da Praia Grande?

De Gaivotas e não só

Maria Faria Blanc

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