terça-feira, abril 17, 2007
Já pensaram nisso? Eu confesso que me preocupa, não só por ter um neto mas porque me parece que as crianças hoje em dia estão a ser mal criadas. Não no sentido da má-educação, nesse também...mas sobretudo no sentido de não estarem a crescer com limites.
É raro o dia em que não vejo uma criança fazer uma enorme birra porque quer qualquer coisa que viu e que o mais certo é não lhe fazer falta nenhuma e já ter perdido a graça assim que sair do supermercado ou da loja.

Por isso gostei deste artigo publicado já há mais de um mês na Visão e assinado por Miguel Carvalho.


Criancinhas



A criancinha quer Playstation. A gente dá.

A criancinha quer estrangular o gato. A gente deixa.

A criancinha berra porque não quer comer a sopa. A gente elimina-a da ementa e acaba tudo em festim de chocolate.

A criancinha quer bife e batatas fritas. Hambúrgueres muitos. Pizzas, umas tantas. Coca-Colas, às litradas. A gente olha para o lado e ela incha.

A criancinha quer camisola adidas e ténis nike. A gente dá porque a criancinha tem tanto direito como os colegas da escola e é perigoso ser diferente.

A criancinha quer ficar a ver televisão até tarde. A gente senta-a ao nosso lado no sofá e passa-lhe o comando.

A criancinha desata num berreiro no restaurante. A gente faz de conta e o berreiro continua.

Entretanto, a criancinha cresce. Faz-se projecto de homem ou mulher.

Desperta.

É então que a criancinha, já mais crescida, começa a pedir mesada, semanada, diária. E gasta metade do orçamento familiar em saídas, roupa da moda, jantares e bares.

A criancinha já estuda. Às vezes passa de ano, outras nem por isso.

Mas não se pode pressioná-la porque ela já tem uma vida stressante, de convívio em convívio e de noitada em noitada.

A criancinha cresce a ver Morangos com Açúcar, cheia de pinta e tal, e torna-se mais exigente com os papás. Agora, já não lhe basta que eles estejam por perto. Convém que se comecem a chegar à frente na mota, no popó e numas férias à maneira.

A criancinha, entregue aos seus desejos e sem referências, inicia o processo de independência meramente informal. A rebeldia é de trazer por casa.

Responde torto aos papás, põe a avó em sentido, suja e não lava, come e não limpa, desarruma e não arruma, as tarefas domésticas são «uma seca».

Um dia, na escola, o professor dá-lhe um berro, tenta em cinco minutos pôr nos eixos a criancinha que os papás abandonaram à sua sorte, mimo e umbiguismo.

A criancinha, já crescidinha, fica traumatizada. Sente-se vítima de violência verbal e etc e tal. Em casa, faz queixinhas,lamenta-se, chora.

Os papás, arrepiados com a violência sobre as criancinhas de que a televisão fala e na dúvida entre a conta de um eventual psiquiatra e o derreter do ordenado em folias de hipermercado, correm para a escola e espetam duas bofetadas bem dadas no professor «que não tem nada que se armar em paizinho, pois quem sabe do meu filho sou eu».

A criancinha cresce. Cresce e cresce.

Aos 30 anos, ainda será criancinha, continuará a viver na casa dos papás, a levar a gorda fatia do salário deles. Provavelmente, não terá um emprego. «Mas ao menos não anda para aí a fazer porcarias».

Não é este um fiel retrato da realidade dos bairros sociais, das escolas em zonas problemáticas, das famílias no fio da navalha?

Pois não, bem sei.

Estou apenas a antecipar-me. Um dia destes, vão ser os paizinhos a ir parar ao hospital com um pontapé e um murro das criancinhas no olho esquerdo.

E então teremos muitos congressos e debates para nos entretermos.

10 comments:

Maria do Consultório disse...

Nem mais. O meu marido teve há uns meses uma ligeira altercação com uma mãe, por causa dos TPC...segundo a iluminada senhora, o menino só faria os TPC mediante autorização da própria.Era muito stressante...tadinho!
Não sei bem o que esperar desta nova geração, não sei mesmo, mas, o artigo que postou parece-me premonitório...

eskisito disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
eskisito disse...

O marido (eu) resolveu a situação da maneira mais simples. Ignorei a mãe em causa...um dia hablito-me a levar umas bofetadas por nada. E considerando que eu tenho 1m90cm, não vai ser algo bonito de se ver. Mas, nesse dia, acabo a carreira, porque o Ministério não vê as coisas da nossa maneira.
Quanto aos pais, ainda acredito que hajam pais bons e pais maus. E, todos os dias vejo isso nos alunos que ensino. O problema é que cada vez menos tenho alunos bons.
Espero que acabemos os nossos dias a rir e não a chorar. Não me lembro onde ouvi isto, mas é o que penso.

Dina disse...

Estive no ensino durante 10 anos. Hoje só de pensar em voltar fico com um nó no estomâgo, eu que até gostava de ensinar e tinha um excelente relacionamento com a maior parte dos meus alunos. Mas já lá vão mais de 12 anos e nesse tempo muita coisa mudou.Quando penso como será a escola que o meu neto vai frequentar fico apreensiva.
Mas voltando à minha experiência, como directora de turma levava um ano a mandar postais para que os pais fossem à escola falar comigo e raramente apareciam mas quando chegava o final do ano era vê-los a todos a reclamar da injustiça que tinhamos cometido com os filhinhos deles, o prof de Matemática implicou com a minha filhinha, o prof de História não gostava do meu filhinho e assim por diante. Tenho bom feitio mas quando me tiram do sério fico uma fera e muitas vezes esses pais ouviam poucas e boas por só se preocuparem no final do ano quando tinham andado o ano inteiro a borrifar-se para o que o rebento fazia. Só tive um caso em que fui ameaçada não fisícamente mas sim com a instauração dum processo porque o sr tinha conhecimentos superiores e segundo ele era só fazer um telefonema. Ainda hoje estou à espera do processo mas o menino em causa repetiu o ano para abrir a pestana.

Anónimo disse...

E assim a criança vai de vício em vício até à derrota final.

Espectacologica disse...

Olha, olha!! Andas a apagar comentários!! eheheheheh

Quanto ao post, vivemos tempos difíceis... portanto nem quero imaginar os lares da 3ª idade que vamos ter direito!! :P

Beijos

Marronco disse...

Experimenta mandar postais para aqui, a ver se eu não vou!...
:-P

Dina disse...

Dona Espectacológica eu não apaguei comentário nenhum...se a senhora lesse bem veria que foi o autor do comentário que o apagou não eu...que é isto de vir para aqui levantar falsos testemunhos??
Deixa estra que quando te apanhar ao vivo e a cores conversamos!!
Sr Marronco quer que eu lhe mande postais para a Madeira? Se eu mandar o senhor vem cá fazer o quê?? Que eu saiba não tem filhos a estudar por cá ou se tem eu não sou directora de turma deles de certeza...
Reporter hoje estás muito radical...ainda há alguns normais e saudáveis felizmente.

eskisito disse...

O Autor em causa era mesmo eu, visto que deixei um erro no comentário original, e querendo dar o exemplo, apaguei-o e voltei a afixá-lo, já sem o dito.
Justiça feita, vou fazer o almoço.

Espectacologica disse...

Ai a Dona Xanu está a ameaçar-me... ui! Que bom! :)

Eu li bem Sra. Dona, mas apeteceu-me brincar consigo! :P

(Cá para mim continua c'a telha... é o que é!)

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